'O homem vulgar, por muito dura que lhe seja a vida, tem pelo menos a felicidade de não a pensar.'


Bernardo Soares in Livro do Desassossego






13/05/2011

Um táxi vazio chegou ao n.º 10 de Downing Street, mas quando a sua porta se abriu Mr. Attlee saiu lá de dentro*; simbólico. A minha tese foi finalmente entregue no dia dois de Maio; literal. Não decidi se acredito num sentimento imutável e duradouro, ou seja, em algo mais do que um mero entusiasmo; mas com frequência sinto-me urgentemente feliz. Tenho que escrever e de escrever. Contudo, de cada vez que o faço, ramifica-se-me o pensamento (como todo aquele devia ser) e perco-me por deambulações como esta, a do estranho caso do que e do de, e da insuficiência da ufana sintaxe entregue a um povo resignado à mediocridade – redundâncias que o não são; são para mim mas não para os outros, aparentemente –. Mas disse-o bem, “tenho que escrever e de escrever”, não acredito em desatenções quando se trata de certas coisas, para mim sempre foi nítida a fronteira entre um distraído e um mentecapto – enquanto colectividade, tentamos frequentemente acreditar que gozamos todos das mesmas capacidades, apesar de bem sabermos que se assim fosse contrariaríamos todas as regras do mundo (as empíricas e as da lógica), para além de se tratar de um feroz ataque à Meritocracia. Não somos todos iguais, Evidência!, e eu odeio obviedades (essa é, aliás, uma das causas da não observância da doutrina decarteana na sociedade pós-moderna: toda a gente, desde a larga maioria dos opinion makers dos canais noticiosos de referência até ao homem comum na esplanada do Fábulas evidenciam as evidências, catapultando-nos a todos num gigante pleonasmo que – sem que a maior parte de nós se tenha apercebido – se tornou a Norma.

(Terá Saramago iniciado um parágrafo com parêntesis?; e com “Mas”?) Mas que o tom fatídico destas constatações não iluda ninguém, porquanto continuo a rir todos os dias daquilo que observo, talqual um narrador da estória global, deslumbrado com a Arte (não só a arte limitativa dos artistas que a parecem querer só para si, mas a Arte que encarna beleza e prazer, contemplação e deslumbre, que tanto reside numa qualquer obra d’arte como nas feições de uma estranha, num final de tarde na Praia Grande sem vento ou numa piada brilhante de um qualquer amigo meu) e não assumirei nunca a plástica e repetida postura de mártir intelectual que carrega a cruz da agnosia alheia; ao invés, faço a minha parte em relação a mim e aos meus (todo aquele que tente ser o melhor na sua área produtiva e eleve certos índices no seu grupo de amigos muda o mundo) e, dix alheio – de que me aposso impudicamente – continuo fascinado com metade do que me rodeia e a detestar a restante.

Os autores que lemos vivem mais dentro de nós do que o fizeram no seu tempo. E continuam eternamente em construção. Falo mais com Pessoa do que muita gente com os seus pares. E as suas ideias desenvolvem-se através desses diálogos mudos ocorridos em esplanadas soalheiras nas tardes de domingo em que não há surf, aromatizadas com especiarias cultivadas indoor por espíritos mais temerários que o meu. Certa vez disse-me ele, petulantemente estóico, que a renúncia é libertação; não querer é poder. Raro é sentir-me desarmado, mas Pessoa faz-mo sentir amiúde. Apercebi-me, então: tratava-se de uma evidência! O que a distingue então das outras, das prescindíveis? – A subtileza; a mesma que deve guiar toda a alma lúcida. Atente-se na Mulher: a Mulher superior não conquista com falinhas, mas com ciúme e tentação intelectual (e com pequenas privações que impõe cirurgicamente). Pois com falinhas está a evidenciar, e tudo o que resulta do óbvio é fastidioso e não desafiante – inunda-me de tédio, essa desgraça das pessoas felizes! Para além de que, optando pelo óbvio, a Mulher insulta o seu potencial intelecto. É claro para mim que o faz pensando que o destinatário do artifício não entende, mas tal é descuido indesculpável; logo, se foi entendida é porque as suas tenuidades não foram bem engendradas, revelando precipitação bem como a sua incapacidade de subutilizar recursos. Tal pode parecer acessório, dispensável… e assim é, de facto, para o homem médio.

Que subtileza subjaz, enfim, a esta debandada de ideias desconexas? Terei querido porventura disseminar uma ideia entre esta desorganizada dispersão de aforismos? Talvez tenha concluído que não há devir senão a Arte – volúvel, imprevista e acidental – e que esta não pode operar plenamente senão subtilmente, obviando o óbvio, razão pela qual nada tendo para dizer posso significar muito mais do que aquilo que faria se o fizesse. Conceptual e simbolicamente – como toda a Arte deve ser, convenha-se – nada tenho a dizer. Só tenho de escrever e que escrever.




*An empty taxi arrived at 10 Downing Street, and when the door opened, Mr. Attlee got out. Winston Churchill

12/03/2011

Sacudir o pó ao smoking eheh

in http://www.advocatus.pt/index.php/sociedade-de-advogados/2718-espanha-e-associados-organiza-encontro-europeu-2011-da-taglaw

"A capital do País irá receber nos dias 18 e 19 de Março, mais de 40 representantes de sociedades de advogados europeias. O encontro decorre no Ritz Four Seasons Hotel Lisboa.


A Espanha e Associados, membro em Portugal da rede internacional TAGLaw - uma das cinco maiores organizações mundiais de sociedades de advogados – vai organizar, em Portugal, o encontro europeu de 2011 desta prestigiada organização.

O encontro europeu anual da TAGLaw terá como pontos de debate principais as estratégias de reforço de networking da organização, focadas particularmente nas condições especiais que Portugal detém como plataforma de entrada em mercados lusófonos, a apresentação internacional do Centro Internacional de Negócios da Madeira, bem como os instrumentos legais, fiscais e os aspectos do regime societário e laboral, em vigor em Portugal.

Ao encontro irão associar-se os grupos de especialidade de direito fiscal da TAGLaw e da TIAG (organização da TAG de sociedades de contabilidade e auditoria/consultoria financeira). No âmbito desses grupos, irão deslocar-se a Portugal especialistas em direito fiscal de várias jurisdições europeias e norte-americanas.

João Espanha, sócio fundador da Espanha e Associados, comenta: “Estamos bastante empenhados na organização deste importante encontro internacional da rede TAGLaw, da qual a Espanha e Associados é associada exclusiva em Portugal. A integração da nossa sociedade de advogados na rede TAGLaw está em linha com a nossa aposta nos mercados internacionais, que tem vindo a provar ser uma estratégia de sucesso, dada a nossa elevada especialização nas áreas de direito fiscal, comercial e societário, financeiro e laboral”. "

10/03/2011

Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.



Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.


Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

13/02/2011

O que é que nos coage a fazer 300km às 02h00 de uma quinta-feira?

QUINTAS DE LEITURA - Auditório do Teatro do Campo
Alegre



31/01/2011

29/01/2011


'I was the Dreamer, but now I reborn
I was The Walrus, but now I'm John'

22/01/2011

Stone Roses

yearbook yourself

                               

02/01/2011



Eu disse "eu não faço nada. fico horas a olhar para uma mancha na parede"
Tu disseste "e nunca sentiste a mancha a alastrar, as suas formas num palpitar quase imperceptível?"
Eu disse "não. a mancha continua no mesmo sítio, eu continuo a olhar para ela e não se passa nada"
Tu disseste "e no entanto a mancha alastra e toma conta de ti. liberta-te do corpo. tu é que não vês"
Eu disse "o que é que isso interessa?"
Tu disseste "...nada"

23/12/2010

In the name of heroes, I am Joaquin Phoenix

Nem o Big Brother vai tão longe. I'm still here, documentário sobre Joaquin Phoenix, é uma exposição porventura gratuita de um ator em crise. É um tipo de filme que, normalmente, apenas passaria na secção Director's Cut do IndieLisboa, ou a horas tardias no Canal 2, mas a relevância mediática do protagonista levou-a para as salas de cinema.
(...)
Explique-se, para quem não sabe, que Joaquin Phoenix é um dos mais promissores atores da sua geração, foi duas vezes nomeado para os Óscares.
(...)
Neste filme, está em causa um conceito filosófico, amplo e difícil, de verdade. O que os jogadores de futebol chamam de ser igual a si próprio. Terá sido essa busca de identidade, por oposição às inúmeras peles que, por osso do ofício, os atores são obrigados a vestir, que terá levado Joaquin a permitir este documentário. Aceitou o jogo perigoso, numa sociedade de aparências, de se mostrar intimamente.
(...)
Ao logo de quase dois anos, Joaquin Phoenix foi filmado em todos os seus pecados, taras e manias e intimidades mórbidas. Não há censura, nem balizas. Vemos Joaquin a contratar prostitutas, a snifar coca, a vomitar ou até, para além do imaginável, quando o seu companheiro se vinga dele defecando na sua cara enquanto dorme. Por isso, estamos perante um filme extremo. Um voyeurismo realmente depravado.


16/12/2010

Muito bom



15/12/2010

11/12/2010

Opiário

É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.

(...)
 
Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a Índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.

Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do Pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.

Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?

(...)

Não posso estar em parte alguma.
A minha Pátria é onde não estou.
Sou doente e fraco.
O comissário de bordo é velhaco.
Viu-me co'a sueca... e o resto ele adivinha.

Um dia faço escândalo cá a bordo,
Só para dar que falar de mim aos mais.
Não posso com a vida, e acho fatais
As iras com que às vezes me debordo.

Levo o dia a fumar, a beber coisas,
Drogas americanas que entontecem,
E eu já tão bêbado sem nada! Dessem
Melhor cérebro aos meus nervos como rosas.

(...)

Caio no ópio por força. Lá querer
Que eu leve a limpo uma vida destas
Não se pode exigir. Almas honestas
Com horas pra dormir e pra comer,

Que um raio as parta! E isto afinal é inveja.
Porque estes nervos são a minha morte.
Não haver um navio que me transporte
Para onde eu nada queira que o não veja!

(...)

E quem me olhar, há-de-me achar banal,
A mim e à minha vida... Ora! um rapaz...
O meu próprio monóculo me faz
Pertencer a um tipo universal.

Ah quanta alma viverá, que ande metida
Assim como eu na Linha, e como eu mística!
Quantos sob a casaca característica
Não terão como eu o horror à vida?

Não fazer nada é a minha perdição.
Um inútil. Mas é tão justo sê-lo!
Pudesse a gente desprezar os outros
E, ainda que co'os cotovelos rotos,
Ser herói, doido, amaldiçoado ou belo!

(No Canal de Suez, a bordo)

Fernando Nogueira Pessoa




08/12/2010

Provavelmente, perfeita.



' (...)
Sou esfinge subtil no Azul a dominar, 
Com a brancura do cisne ou da neve fria.
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que é rir, nem sei o que é chorar.
(...) '

Baudelaire, Le Fleur du Mal

05/12/2010

Incontaminada e cândida, tantos anos aquém (quantos anos foram?); meretriz da dignidade tombada e do decoro mirrado, hoje, no parque devasso onde os citadinos moribundos do sentimento acorrem, afoitos na busca da vã intimidade, como só pode ser a que se encontra num colo estranho e num ventre batido.

A menina doutrora, que um dia ouviu alguém com a adoração receptiva do vaso repleto, ávido da água germinante, é hoje a puta de olhar fétido, que me fita com o mesmo escopo de um pedinte astuto, incomodada pela minha aparente desatenção.

Percorro com passo apressado o passeio contíguo ao parque dos pecados, infamante do próprio Eduardo, de mãos no sobretudo e olhos no chão, de quando em quando palmilhando furtivamente a humanidade que lhe resta. A miséria esconde-se, improvável, não no seu rosto, mas atrás das janelas entreabertas dos carros que passam com o ajuizador vagar dos desafortunados do sentir; proletários redutores dos prazeres à carne examinam-na com expressões ásperas e másculas, esfregando as mãos crespas por cima de parkas grosseiras. Assumo que não seja fácil de reconhecer - mas existe uma subespécie que, como uma praga, dessensibiliza o Homem, mediocrizando-o aos poucos em virtude da matriz (sobre)vivencial da sociedade rendida ao rei Capital.

E ela, a do colo cansado – e sem que se pretenda aqui utilizar qualquer disfemismo – é a sobra do mundo. Quem dera devolver-lhe a esperança, saber se a menina dança, apresentar-lhe um C.E.O. clemente que lhe não comprasse o abraço e lhe beijasse a nuca enquanto dormia amarrotada numa camisa grande de mais para si, depois do banho, impregnada de aveia; que a levasse a jantar a sítios improváveis, falando-lhe do expressionismo do Pollock e do transtorno existencialista do Vergílio, das vantagens e vicissitudes da possível intervenção do FMI e de como o seu cabelo balouça enquanto mastiga, satisfeita; que a segurasse com a devoção inabalável de um católico filipino nas vésperas da Páscoa sangrenta, exorcizando a pouco e pouco os feitiços dos agrestes homens das janelas semiabertas.

Mas não… passo discreto, remoto por entre a minha fobia, longínquo de salvador e com a culpa de um pecador, expiada pela vergonha e suportação, enquanto ela fica para trás – cada vez mais para trás – entregue à próxima besta. Mas está tudo bem, creio que tudo esteja bem, já dizia o Conde d’Abranhos, ‘ele há questões terríveis’, mas está tudo bem. Onde é que jantamos hoje?

02/12/2010

"interviewer: what do you think about the t.a.t.u. cover of 'how soon is now'?
morrissey: who are t.a.t.u.?
interviewer: they're a couple of teenage russian lesbians.
morrissey: well, aren't we all?"

in NME.com

28/11/2010

'Escolher modos de não agir foi sempre a atenção e o escrúpulo da minha vida.'

Bernardo Soares, in Livro do Desassossego